ADPF Nº 153

De acordo com informações divulgadas pela própria Comissão da Anistia, foram contabilizados mais de 75 mil requerimentos. Destes, aproximadamente 43 mil pessoas foram declaradas anistiadas políticas, com ou sem reparação financeira[1]. Neste aspecto, as continuidades dessa luta pela anistia extrapola o campo econômico e passa, em 2010, pela intensificação do viés da responsabilização e punição para os agentes das violações de direitos humanos. Para Maia (2014, p. 131), essa responsabilização simbolizaria a justiça de transição por excelência. A exploração de uma “controvérsia constitucional” expressa na Lei de Anistia é a tônica para a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental nº 153 (ADPF-153) proposta pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e julgada improcedente em 2010 pelo Supremo Tribunal Federal (STF) por sete votos a dois. Sobre este instituto jurídico legitimamente brasileiro e seu caráter sui generis, destaca-se o fato que

não existe instituto correlato no ordenamento jurídico ocidental. Na tradição constitucional brasileira esse instituto só veio a surgir com a Constituinte de 88, apesar de poder se identificar no instrumento da intervenção previsto no artigo 6º da Constituição de 1891 “uma fórmula precursora da arguição de descumprimento, já que desde sua origem se encontra um conjunto delineado de preceitos constitucionais como hipóteses válidas para fins de desencadear essa vetusta medida” (TAVARES apud MAIA, 2014, p. 161)

A demanda em questão se baseia no questionamento sobre o alcance da anistia para os agentes públicos responsáveis pela prática de homicídios, desaparecimentos forçados, torturas e outras graves violações de direitos humanos contra os opositores do regime ditatorial. A concepção implícita de autoanistia fere os chamados preceitos fundamentais da Constituição Brasileira, entre eles o que se refere à tortura e outras ações correlatas. A ausência de quaisquer outros instrumentos jurídicos que possibilitem sanar a lesividade, neste caso, questionar perante o Poder Público a respeito da impunidade desses agentes da repressão contra opositores políticos, justifica juridicamente o acionamento do instituto da arguição de preceito fundamental. A percepção é a de que não há conexão que garanta a concessão da anistia aos agentes públicos por não se coadunar com a caracterização de crimes políticos, uma vez que não atentaram contra a ordem política e a segurança nacional (OAB, 2008, p.7).

O caráter excludente da Lei de Anistia de 1979, em referência aos condenados por terrorismo, assalto, sequestro e atentado pessoal, também foi questionado e a alegação de desrespeito à memória e verdade histórica, fundamentada no impedimento de apurações dos fatos ocorridos durante o regime ou qualquer outra medida investigatória que conduzissem à identificação dos abusos cometidos, discutida na ADPF 153. O requerimento de interpretação da Lei de Anistia foi recusado sob a argumentação de que esta teria “exaurido seus efeitos”, ainda em 1979 (RELATÓRIO DO STF, 2010, p. 4), não cabendo, portanto, recurso à revisão de seu alcance. A negação de uma audiência pública em 2010 se justificou pela clareza dos argumentos da ADPF-153, evitando atrasos com o julgamento da matéria, e pela demora no pedido, uma vez que a petição inicial da OAB data de 2008. O parecer sobre a improcedência do pedido de revisão em questão aponta, além do que denomina de contradições inerentes a este requerimento, para a concepção de que essa reinterpretação desejada “ultrajaria preceitos esculpidos na Constituição da República de 1988” (WOJCIECHOWSKI, 2013, p. 167). A perspectiva de manutenção da ordem social existente nos remete, novamente, à ideia de conciliação nacional que norteou a aprovação da Lei em 1979, especialmente na argumentação[2] do relator Eros Grau ao encerrar seu relatório ao afirmar que:

É necessário dizer, por fim, vigorosa e reiteradamente, que a decisão pela improcedência da presente ação não exclui o repúdio a todas as modalidades de tortura, de ontem e de hoje, civis e mi litares, policiais ou delinquentes. Há coisas que não podem ser esquecidas. (…) É necessário não esquecermos, para que nunca mais as coisas voltem a ser como foram no passado. Julgo improcedente a ação (RELATÓRIO DO STF, 2010, p. 72-73).

Assim, mesmo após a recusa do pedido de revisão da Lei 6.683, as disputas pela anistia continuaram no âmbito jurídico após a condenação do Estado brasileiro, em sentença de 24 de novembro de 2010, pela Corte Interamericana de Direitos Humanos, no caso que ficou conhecido como Gomes Lund e outros (“Guerrilha do Araguaia”) versus Brasil.

Acesse a Arguição por Descumprimento de Preceito Fundamental nº 153!

Acesse os votos e as justificativas dos Ministros do Supremo Tribunal Federal ao julgar improcedente a ADPF nº 153!

[1] A divulgação da lista atualizada em 07 de abril de 2017, contendo nome, CPF, número de requerimento e portaria no Diário Oficial da União do anistiado político se encontra no endereço eletrônico http://www.justica.gov.br/seus-direitos/anistia/pessoas-anistiadas/sinca-exportacao-07abr2017-16h36m-lista-anistiados-politicos.pdf. Acessado em abril de 2017.

[2] O voto do presidente do STF, Cesar Peluzo, se alinha ainda mais com essa percepção conciliatória ao defender que “se é verdade que cada povo acerta as contas com o passado de acordo com sua cultura, com seus sentimentos, com a sua índole e com a sua história, o Brasil fez uma opção pelo caminho da concórdia. E diria, se pudesse, mas não posso, concordar com afirmação de que certos homens são monstros, que os monstros não perdoam, só o homem perdoa. Só uma sociedade superior, qualificada pela consciência dos mais elevados sentimentos de humanidade, é capaz de perdoar, porque só uma sociedade que, por ter grandeza, é maior do que seus inimigos é capaz de sobreviver. Uma sociedade que queira lutar contra os inimigos com as mesmas armas, os mesmos instrumentos, os mesmos sentimentos, está condenada a um fracasso histórico” (LIVRO DE VOTOS DA ADPF153 DO STF, 2010, p. 214).