Em nossa trajetória, conduzida pela importância de se trazer à tona as discussões e interpretações sobre o contexto histórico em que a anistia foi aprovada e seus desdobramentos na contemporaneidade, numa relação simbiótica entre silenciamento e esquecimento, mapearemos aqui a utilização deste instrumento jurídico em 1979, suas fundamentações e distintos projetos. Conjuntamente, serão conduzidas análises referentes às políticas de memória efetivadas no Brasil a partir de 1995, do regime do anistiado político, sem perdermos o esquadrinhamento também da linha de continuidade da impunidade garantida pela lei de anistia e as mobilizações para sua revisão. A relevância e atualidade sobre os questionamentos sobre a reciprocidade e alcance da Lei de Anistia podem analisadas através do julgamento do Supremo Tribunal Federal da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental nº 153, da Condenação do Estado brasileiro pelo não esclarecimento de questões no caso Gomes Lund e outros (Guerrilha do Araguaia), ou na recusa da denúncia de estupro e torturas contra a militante Ines Ethienne Romeu, em 08 de março de 2016, sob argumentação de irrevogabilidade na Lei de anistia 1979.
Em complemento às discussões centradas nas interpretações sobre o binômio distensão/abertura política no Brasil, serão apresentadas tanto a legislação, quanto as reflexões que discorrem sobre a anistia pretendida e a que foi hegemonicamente construída e nacionalizada. Nas disputas pela memória, em especial ensejada em torno da anistia e sua utilização como argumento para evitar a responsabilização judicial dos agentes da repressão, temos uma trajetória que oscila entre as possibilidades de reinterpretação da lei, particularmente sobre a retirada da abrangência da medida expressa no termo “crimes conexos[1]”, conforme descrito e discutido até aqui sobre outra perspectiva analítica. Neste caso, os desdobramentos dessa reciprocidade recairiam sobre a sociedade brasileira, seja em sua memória (nacional) coletiva ou na memória individual dos atingidos pela violência do regime ditatorial.
Nas informações lacunares ou sem problematizações sobre a anistia e seus desdobramentos na contemporaneidade, as discussões e reflexões aqui propostas seguem inicialmente pelas mobilizações a favor da anistia no Brasil; os projetos em disputa pela aprovação no Congresso; a aprovação da lei e sua repercussão; o(s) silêncio(s) imposto(s) à lembrança do tema até a criação da Comissão de Mortos e Desaparecidos em 1995; a criação da Comissão de Anistia; a regulamentação do regime do anistiado em 2002; a criação da Comissão Nacional da Verdade e entrega do seu relatório final em 2014; a tentativa de revisão da Lei através da Arguição por Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) nº 153; a condenação do Brasil na Corte Interamericana de Direitos Humanos e a recusa da denúncia de estupro e outras violações de direitos humanos da militante Ines Etienne Romeu por agentes do Estado brasileiro. Desta forma, se faria possível o mapeamento da Lei, seus desdobramentos e, possivelmente, da complexa relação entre “perdão” e “esquecimento”, em nome da “tradição conciliatória brasileira” e de uma “harmonização e pacificação nacional”.
Assim esta pesquisa se propõe a investigar os distintos projetos de anistia debatidos entre 1978 e 1979, inseridos no quadro de distensão do regime militar. As posteriores reformulações sofridas pela lei, no que concerne às possibilidades de apuração dos fatos ocorridos, de reparação simbólica ou financeira, tentativa de compreensão da realidade brasileira no período e seus ecos na vida dos atores sociais que viveram os dias de luta pela anistia, mantém a discussão sobre a anistia e possibilitaria a construção de parte fundamental do acervo digital aqui proposto, ampliando os lugares de preservação da memória histórica deste período ainda obscuro e profundamente marcado, apesar do esquecimento imposto, sobre a sociedade brasileira.
A hipótese central que aqui se desenrola se sustenta no argumento de que o projeto de anistia que se conforma a partir da aprovação da lei em 1979 significou a vitória de um determinado projeto de anistia que representava os interesses da fração dominante da classe dominante. Mas o processo de aprovação da lei de anistia foi ceifado por embates entre as distintas frações de classe que possuíam projetos diferentes. O projeto que se torna hegemônico, portanto, marcado pela conciliação e pela tentativa de esquecimento, é o resultado da vitória de uma determinada fração de classe que consegue naturalizar o seu projeto como nacional e que, portanto, o amplia às demais frações de classe. Ao fim do processo de aprovação, foram derrotados os projetos de anistia defendidos pelos movimentos sociais e predominou aquele projeto de anistia defendido pelos partidos[2] hegemônicos nacionalmente.
Em sua importante publicação no ano de 1978, referência para os estudos sobre a anistia no Brasil, o jornalista e ativista político Renato Ribeiro Martins (2010) afirma que seu livro nasceu de dois elementos básicos: a sua convivência com condenados por crimes políticos, cujas penas excederiam 50, 60, 80 anos, durante o cumprimento de sua própria pena, e a observação da utilização do recurso da anistia como uma tradição na sociedade brasileira. Dividido em duas partes, na primeira o autor analisa a própria origem da anistia e sua introdução no Brasil. Remonta ao estudo de Ruy Barbosa e sua digressão a Grécia de Sólon, Trasíbulo e Patrocleides, como os primeiros a concederem a anistia, baseados, respectivamente, na reintegração de direitos e privilégios a cidadãos, excluindo outros condenados por traição ou homicídio; ou esta mesma lógica de restabelecimento de direitos, acrescido da diretriz de queima de todos os registros do período anterior à concessão; e o já citado acordo de paz entre espartanos e atenienses (MARTINS, 2010, p. 24-25). Em sua análise pela trajetória histórica da concessão da anistia, Martins cita também o generalis abolitio romano[3], ou seja, o esquecimento, a abolição geral, baseada na extinção da criminalidade e indulgência das restrições. Etimologicamente, contextualiza o entendimento sobre a anistia e sua relação com a democracia, destacando que
prevaleceu para as línguas latinas o radical grego amnéstia, do que veio a se originar a formação latina amnestia, a francesa amnestie e até mesmo a forma inglesa amnesty, sendo a portuguesa amnistia simplificada no Brasil pra anistia. Seu sentido, no entanto, está ligado tanto ao radical grego amnéstia como ao generalis abolitio romano. Tem sido um ato eminentemente político destinado a promover o esquecimento dos crimes e processos decorrentes das lutas e divisões internas dos povos e, assim, reconquistar a paz. Pela sua origem, a anistia é irmã gêmea da democracia. Surgiu a partir de necessidades políticas, com o estabelecimento da república e suas primeiras experiências de vida democrática. A democracia grega veio estabelecer pela primeira vez a regra da convivência dos contrários, do respeito às minorias e à oposição, e da alternância de grupos no poder. Era a fórmula capaz de conciliar interesses políticos conflitantes e manter a unidade da nação. Mas tais regras não eliminavam por si só a possibilidade de conflitos de maior gravidade. (…) Somente um ato de alta sabedoria política poderia apagar as consequências naturais dos fatos geradores de tais conflitos (MARTINS, 2010, p. 25-26).
Nesta trajetória pormenorizada, busca a concessão da anistia em diversos períodos da história política brasileira: colonial, processo de independência, império, passando pela República Velha até a concessão da anistia em 1945[4], no fim do Estado Novo, e anistia de 1961[5]. Aponta como marco analítico a concessão desta última medida para explorar, na segunda parte de seu livro, a trajetória desde o golpe militar de 1964 até 1978, ano em que seu livro foi escrito, mapeando a luta contra a anistia atrelada a uma ideia de perdão e graça no Brasil. A excepcionalidade do Decreto Legislativo de 1961 seria sua revogação, ou desanistia (GRECO, 2003, p. 122), pela Junta Militar em 1969. O Decreto-Lei nº 864, de 12 de setembro de 1969, altera a redação do decreto de 1961 que trata sobre a reversão ao serviço, aposentadoria ou passagem para a inatividade remunerada, entre outras garantias, daqueles que foram demitidos, excluídos ou condenados à perda de postos e patentes, inclusive, determinando o arquivamento definitivo de processos em curso ou não julgados definitivamente. O argumento jurídico da irrevogabilidade de qualquer anistia seria sumariamente desconsiderado. A própria Constituição deste mesmo ano, através da Emenda Constitucional nº 1, modifica a Constituição de 1967, “com base nos poderes de exceção definidos pelo AI-5” (OLIVEIRA, 1994, p. 65) e transfere exclusivamente para o presidente da República a proposição de qualquer anistia, retirando tal prerrogativa do âmbito do Legislativo brasileiro. Deste modo, conclui a primeira parte de sua análise com que denomina de esboço de “algumas conclusões históricas”. São apontadas oito inferências sobre essas concessões relativas à graça, perdão e como instrumento apaziguador, conciliador até o regime militar, sendo estas: 1) a anistia é uma tradição na História no Brasil; 2) houve exceções (especialmente na Inconfidência Mineira e na Conjuração Baiana); 3) a concessão da anistia, por si só, não é suficiente; 4) há exemplos históricos de todos os tipos de anistias; 5) as anistias se deram nas mais variadas situações políticas; 6) nunca houve penas demasiadamente longas (neste primeiro momento analisado); 7) a tradição é pela concessão de anistia aos crimes políticos e de rebelião; e 8) sem anistia uma série de personalidades não teriam desempenhado papel de destaque na vida política do país. Conduzida através de suas particularidades em momentos histórico diferentes, João Roberto Martins começa sua observação sobre a “anistia hoje” com a apresentação da ideia de que “cessada a resistência (após o golpe), o movimento militar anistiasse os vencidos que foram derrubados. Assim era a tradição” (MARTINS, 2010, p. 146). Estava aberta, para o autor, uma nova exceção no que se refere à anistia.
Assim, as discussões sobre a concessão de uma anistia para os opositores do Golpe e se intensificam com as perseguições e prisões em decorrência dos dois primeiros Atos Institucionais. Rodeghero (2014) afirma que vozes discordantes, como do jornalista Carlos Heytor Cony[6] e do filósofo Alceu Lima Amoroso, publicaram artigos, entre dezembro de 1964 e janeiro de 1965, respectivamente, denunciando a truculência do regime e apontando para uma anistia parcial ou clamando para o fim da fase punitiva do regime, o que equivaleria, já nesse momento, a passar uma “esponja no passado, a anistia geral, a pacificação dos espíritos” (RODEGHERO, 2014, p. 103). Roberto Ribeiro Martins (2010) mapeia, através dos sucessivos governos militares, as discussões acerca das aproximações (embora restritas e excludentes) entre a possibilidade de uma anistia em meados da década de sessenta, ou mesmo a prática do indulto, como a medida decretada por Costa e Silva[7], que alcançava todos os condenados primários até quatro anos, sem exceção daqueles que foram punidos pela Lei de Segurança Nacional. Sobre os momentos iniciais da luta pela anistia, Paulo Ribeiro da Cunha também sublinha que
a anistia começou a ser considerada como proposta a partir das conversações da Frente Ampla, iniciadas em 1966; mas foi a partir dos anos 1970 que a luta começou de fato a constar na agenda política do país. Não demorou muito tempo, ocorreu a formação dos primeiros Comitês de Anistia. Esses organismos começaram a pautar e tensionar os limites da transição política, que ocorria quase ao mesmo tempo em que o regime militar perdia suas bases de apoio e sua aceitação popular era erodida por uma grave crise econômica (CUNHA, 2015, p. 31).
Em sua contextualização sobre os limites e rumos dessa abertura política, em especial, as demonstrações de fissuras no interior do grupo dos militares, é destacada ainda que já não se conseguiam “ocultar episódios significativos que escudavam a erosão do regime” (CUNHA, 2015, p. 31), como o posterior episódio do Riocentro[8]. O autor aponta que houve identificação de alguns dos responsáveis e, muito embora tenham seguido a carreira, com algumas restrições, até a reforma, não foram judicialmente condenados e punidos. Assim entende que, embora a anistia decretada tenha sido criticada por ser recíproca e restrita, houve certa oxigenação na cena política brasileira com a volta de milhares de exilados. Contudo, no que interpreta ser uma limitação intrínseca a anistia aprovada, são apresentadas as mobilizações de setores militares para uma abrangência maior que incluísse oficiais subalternos punidos e cassados com base nos Atos Institucionais[9]. Outra relevante questão apresentada sobre as limitações da anistia se refere à impossibilidade de reintegração ao serviço ativo dos cargos, postos e vagas de trabalho de cassados, ocorrendo a contabilização do tempo de serviço que impactaria na aposentadoria dos punidos, salvo pontuais exceções através de recursos às altas instâncias (CUNHA, 2010, p. 32). Desta forma, as diferentes interpretações sobre a abrangência de uma lei de anistia, no que se refere às categorias seriam beneficiadas, também podem identificadas a partir da intensificação das posturas contestatórias, especialmente de estudantes, operários, intelectuais, políticos do MDB, setores da igreja e artistas, durante o ano de 1968, um marco nas mobilizações sociais de caráter oposicionista contra o regime[10]. Neste mesmo ano é apresentado o projeto de lei nº 1346/1968, de autoria do deputado do MBD/SC, Paulo Macarini, posteriormente ele próprio cassado pelo AI-5, que “concede anistia em todo o território nacional, aos estudantes e trabalhadores envolvidos nos acontecimentos que se sucederam a morte[11]”, a partir do dia 28 de março de 1968, data da morte do estudante Edson Luis na manifestação pelo fechamento do restaurante estudantil Calabouço, no Rio de Janeiro. Sobre o projeto de lei e sua votação Martins aponta que
depois do projeto ter sido aprovado na Comissão de Constituição e Justiça por 13 votos a 1 (…) o governo Costa e Silva resolveu fechar a questão, ameaçado que estava de ser derrotado no plenário. Assim mesmo, 35 deputados da Arena (…) somaram com 110 do MBD os 145 votos favoráveis à anistia, contra 198 arenistas, em votação que se deu a 20 de agosto. A pressão governamental que resultou na rejeição da anistia foi vigorosamente combatida por parlamentares de ambos os partidos. Todos estavam lembrados das palavras de Costa e Silva de respeitar o parlamento (MARTINS, 2010, p.153-154).
Na justificativa do projeto, publicada no Diário Oficial de 25 de maio de 1968, Macarini afirma que os protestos têm sua fundamentação na luta contra o que chama de “barbarismo que se instalou no país ou por melhores salários e condições de trabalho, desencadeando uma série de prisões, abertura de processos militares e outras arbitrariedades” (DOU, 25/05/1968, p. 277). A ideia seria de que sua aprovação representaria de forma inequívoca uma demonstração de compreensão do Poder Público com a juventude e a classe operária, dada a conjuntura política brasileira no período em questão. Em sua tramitação, através de propostas de emendas, a concessão da anistia passaria a abranger todos aqueles envolvidos nas manifestações citadas, sendo aprovada na Comissão de Constituição e Justiça e pareceres favoráveis no plenário. Com tramitação entre os dias 22 de maio e 20 de agosto de 1968, o projeto foi encaminhado ao arquivo (rejeitado), ou, conforme noticia a capa do Jornal da Manhã de 21 de agosto daquele ano, “a anistia é vencida no Congresso”, com a publicação nominal, por estado, dos Deputados que votaram contra ou a favor do projeto. Na contabilidade dos 145 votos favoráveis à anistia, somam-se 35 votos da ARENA, muito embora o próprio governo afirme, um dia antes da votação no plenário, que não fecharia questão sobre essa temática, mas recomenda que seus membros “votem contra o projeto, por considerá-lo sem sentido”. A alegação de tal ausência de sentido poderia ser verificada na não resolução das “agitações das ruas” e, caso assim fosse, o governo não hesitaria em aprovar e conceder tal medida (Jornal da Manhã, 20 de agosto de 1968, p. 3). O projeto foi derrotado por 198 votos.
O mesmo periódico apresenta um balanço desta votação que, embora tenha sido contrário à anistia, pode ser considerado um importante dado político. O foco para a abrangência ou mesmo a própria concessão da anistia é deslocado para a análise do que, nas palavras do Deputado Ernani do Amaral Peixoto (MDB/RJ), evidenciaria que a “Oposição não está apenas no MDB; ficou provado que é também maioria da ARENA, que só não votou favorável à anistia porque foi coagida por um sistema de pressão em nome das Forças Armadas” (Jornal da Manhã, 21 de agosto de 1968, p. 3). Para o Deputado e líder arenista na Câmara dos Deputados, Ernani Sátiro, veiculado na mesma publicação, “a vitória da anistia seria a dos inimigos da ARENA e a dos que, com ódio, querem derrubar-nos” (Jornal da Manhã, 21 de agosto de 1968, p. 3). Ao encerrar a matéria, são apresentadas pelo jornal como possíveis causas de insatisfação da bancada arenista, mesmo sem configurar um “estado de rebelião” contra o governo, o fato de numerosos deputados se debaterem em problemas nos seus Estados e não conseguirem resolvê-los juntos às autoridades federais. Conforme aqui abordado, a ideia de uma crescente crise político-institucional, ladeada pelas crescentes manifestações desencadearia uma série de ondas punitivas sobre diversos setores da sociedade brasileira e descontentamentos com a política econômica, reforçam a importância da compreensão dos Atos Institucionais como fundamentação das punições se justifica por ser escopo e o instrumento de determinação da abrangência/exclusão do alcance do benefício da anistia que seria aprovada em 1979.
Especialmente sobre as salvaguardas discricionárias do Ato Institucional nº 5, estas seriam incorporadas à nova Constituição através da emenda constitucional nº 1, de 17 de outubro de 1969, caracterizando o que Thomas Skidmore (1988) denomina como exemplo didático de um Estado de Segurança Nacional, quando os militares instituem sua doutrina pela força, inspirados na lei do Serviço Nacional de Informação, a Lei de Segurança Nacional e o próprio AI-5[12]. Maria Helena Moreira Alves (1984) aponta os poderes atribuídos ao Executivo pelo AI-5: a) poder de fechar o Congresso Nacional e Assembleias estaduais e mnicipais; b) direito de cassar os mandatos eleitorais de membros dos poderes Legislativo e Executivo, em suas três esferas; c) direito de suspender por dez anos os direitos políticos dos cidadãos, e restituição do “Estatuto dos Cassados[13]”; d) direito de demitir, remover, aposentar ou por em disponibilidade funcionários das burocracias federal, estadual e municipal; e) direito de demitir e remover juízes, e suspensão das garantias do Judiciário de vitaliciedade ou estabilidade; f) poder decretar estádio de sítio sem qualquer dos impedimentos preconizados pela Constituição de 1967; g) direito de confiscar bens como punição nos casos de corrupção; i) suspensão da garantia de habeas corpus em todos os casos de crimes contra a Segurança Nacional; j) direito de legislar por decreto e baixar outros institucionais ou complementares; e l) a proibição de apreciação pelo Judiciário de recursos impetrados por pessoas acusadas em nome do AI-5, bem como a negação de recursos para os réus julgados pelos tribunais militares (ALVES, 1984, p. 131).
Skidmore aponta outra especificidade sobre a Constituição de 1969, no que diz respeito à “crise da sucessão” presidencial, desencadeada pelo súbito ataque que incapacitaria Costa e Silva, e a atuação de seu vice-presidente, o civil Pedro Aleixo, visto com desconfiança após sua renitência durante a aprovação do AI-5. Há, portanto, a recusa ao artigo 78 da Constituição de 1967 que estipulava que “se o presidente ficar incapacitado será substituído pelo vice-presidente, se vagar o cargo o vice-presidente o exercerá”. Assim, os ministros militares que formariam a Junta Governativa, com representantes das três Armas,
não levaram muito tempo para excluir todos os outros sucessores constitucionalmente previstos: o presidente da Câmara dos Deputados, o presidente do Senado e o presidente do Supremo Tribunal Federal. Os dois primeiros estavam rejeitados porque sua sucessão exigiria a reabertura do Congresso – a que os militares se opunham – e o terceiro porque os ministros do STF ainda eram suspeitos por causa de sua excessiva independência durante o governo Castelo Branco (SKIDMORE, 1988, p. 143).
Neste quadro, entre a institucionalização e uma atuação política repressora, a atribuição sobre a competência de concessão do instrumento legal da anistia sofreria uma drástica mudança, dependendo da sanção presidencial, mesmo que o Legislativo aprecie e decida sobre a matéria. Para Martins (2010), nesse retorno à exigência da Constituição republicana de 1891, somado à fórmula autoritária do Estado Novo, caberia exclusivamente ao presidente da República a iniciativa das leis que concedem anistia referente aos crimes políticos. Na linha de continuidade sobre os sucessivos governos militares e a questão da anistia ao longo do regime, podemos destacar o aumento da repressão às oposições durante o governo de Emilio Garrastazu Médici (1969-1974), muito embora o “milagre econômico” seja utilizado para escamotear a crise internamente, especialmente sobre sua legitimidade. Assumindo seu caráter mais autoritário e violento, sob a égide de Médici o regime passa por seu momento mais repressivo e conturbado. Neste contexto, Skidmore destaca que
dez meses antes uma onda de repressão avassalara o país. E agora o consenso militar exigia que a repressão continuasse. A linha dura tinha as rédeas nas mãos. Visto pelas suas aparências, o governo Medici foi de relativa calma. Não houve marchas estudantis, piquetes de trabalhadores em greve, nem comícios com a costumada oratória demagógica. Ou, pelo menos, nada que o grande público pudesse ver ou saber. A repressão e a censura do governo eram a razão principal. Os estudantes, por exemplo, um dos principais focos de oposição em 1968, foram silenciados pela violenta intervenção nas universidades, que resultou em expulsões, prisões e torturas para muitos. A repressão mostrava-se também eficiente contra as guerrilhas (SKIDMORE, 1988, p.158).
A demanda por uma anistia é recolocada em pauta, agora pelo prisma do desrespeito aos direitos humanos, reivindicações fim das prisões arbitrárias, sequestros, torturas e toda a sorte de graves violações destes direitos. A mobilização de importantes setores da sociedade como parte da igreja ou de entidades como a Ordem dos Advogados do Brasil, a atuação de organizações como a Confederação Brasileira de Justiça e Paz em trabalho conjunto com a Confederação Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB[14]), no final da década de 1960, foram de significativa importância no recebimento de denúncias de torturas, desaparecimentos e assassinatos de presos políticos[15]. Com o aumento das perseguições, “membros do clero, religiosos e religiosas, leigas e leigos ligados de modo mais estreito à Igreja e parentes diretos de alguns bispos, amplos setores da hierarquia, mesmo aqueles de posição moderada e muitas vezes conservadora” se mobilizam a favor de um Estado de Direito (ANDRADE, 2016, p.117). Muito embora as caracterizações das mobilizações desses movimentos sociais e entidades em nome da defesa da liberdade e dos direitos humanos sejam citadas ou mesmo apresentadas nos livros didáticos devemos ter a percepção que, dentro de um regime autoritário, os movimentos contestatórios possuem interesses diversos, muitas vezes diametralmente opostos, uma vez que
a visão homogênea da sociedade civil como um bloco democrático contra um Estado ilegítimo e autoritário teve sua função histórica no desgaste do regime, mas pode esconder contradições se utilizada como receita única para a construção da democracia. A sociedade civil é um conjunto heterogêneo de atores, divididos em classes sociais, grupos corporativos, associações profissionais, frações ideológicas, instituições e movimentos sociais que dificilmente conseguem estabelecer um programa político comum. Se a questão democrática era um ponto de convergência, as várias leituras do que significava democracia e os vários projetos de transição política que elas encerram eram pontos de tensão dentro da sociedade. (NAPOLITANO, 2014, p. 247-248)[16].
A reação dos militares ao aumento das oposições e intensificação dos movimentos contestatórios ao regime, inclusive armado. O reforço necessário para a reestruturação do Aparato Repressivo oriundo dos Atos Institucionais nº 13 e 14, respectivamente, estabelecendo o banimento para todos os presos políticos trocados por dignitários sequestrados. Nas considerações inicias do AI-14, é exposto que a tradição jurídica brasileira, embora contrária à pena capital ou prisão perpétua, admite a sua aplicação na “hipótese de guerra externa, de acordo com o direito positivo pátrio, consagrado pela Constituição do Brasil, que ainda não dispõe, entretanto, sobre a sua incidência em delitos decorrentes da guerra psicológica adversa ou da guerra revolucionária ou subversiva” (BRASIL, ATO INSTITUCIONAL Nº 14 de 05/09/1969). Com a justificativa de preservação do bem-estar do povo e desenvolvimento pacífico das atividades do país é alterada a redação do artigo 150 da Constituição brasileira, mesmo que a definição desses tipos de guerra fosse mantida “deliberadamente vaga, exatamente como qualquer cidadão ‘inimigo interno’” (ALVES, 1984, p. 158).
⇒ Ainda durante o ano de 1968, o Deputado Paulo Macarini faz um pronunciamento em defesa de seu projeto de concessão de anistia a estudantes e outros envolvidos nas manifestações contra a morte de Edson Luís de Lima Souto. Acesse aqui a publicação no Diário Oficial da União, de 25 de maio de 1968, com a íntegra desse projeto de lei.
[1] Carla Simone Rodeghero explicita que “para melhor entender a aproximação realizada entre crimes conexos e reciprocidade é elucidativo voltar no tempo e acompanhar a presença desses dois elementos em anistias anteriores. A expressão “crimes conexos aos políticos” faz parte do texto de três anistias decretadas por Getúlio Vargas, em momentos de governo provisório (1930 e 1934) ou de ditadura (1945). A primeira abrangeu os participantes dos movimentos tenentistas e da própria Revolução de 1930, e incluía “todos os crimes políticos e militares, ou conexos com estes”. Em maio de 1934, o decreto de Vargas isentava de “toda responsabilidade os participantes do surto revolucionário verificado em São Paulo, em 9 de julho de 1932, e suas ramificações em outros estados”. A isenção dizia respeito a “qualquer outro crime político e [a]os que lhe forem conexos, praticados até esta data”. Em 1945, também por meio de decreto, foi “concedida anistia a todos quantos tenham cometido crimes políticos desde 16 de julho de 1934 até a data da publicação deste decreto-lei”. Além dos crimes políticos, eram abrangidos os crimes conexos, definidos como “crimes comuns praticados com fins políticos e que tenham sido julgados pelo Tribunal de Segurança Nacional”. Como se vê, em todas as ocorrências, os crimes conexos seriam outros crimes praticados no período e associados àqueles que eram alvo da anistia. (…) Tanto em 1945 quanto no período de 1975 a 1979, os diferentes atores envolvidos nas campanhas pró-anistia falavam em anistia ampla e geral ou em anistia ampla e irrestrita, louvavam os benefícios do esquecimento, defendiam que a medida iria pacificar a família brasileira e que seria o primeiro passo para a redemocratização. Vistos a distância, os slogans eram os mesmos. Acompanhando mais de perto os atores políticos e sua compreensão sobre a medida, percebem-se as diferenças. No fim da década de 1970, mesmo que permanecesse a equação “anistia = esquecimento”, entre a oposição já era majoritária a visão de que o Estado tinha cometido crimes, e que estes não eram passíveis de anistia; que a medida deveria ser acompanhada de esclarecimento e de punição; e que o esquecimento não era o melhor caminho para a construção da democracia.” (RODEGHERO, 2010, p. 106-107)
[2] A concepção de partido aqui presente é aquele construída por Antônio Gramsci (2002) na qual ‘partidos’ seriam os agentes responsáveis pela nacionalização de um determinado projeto e, portanto, organizadores da vontade coletiva.
[3] “O romanos não lhe conservaram o nome original, mas sob o de generalis abolitio lhe mantiveram a feição primitiva. A abolição geral era, entre elle, o apagamento, o olvido, a a extinção da possibilidade de processo. “abolitio est delectio, oblivio vel extintio accusationis” Commentando o principio do direito imperial neste ponto, CUJACIO estabelece a identidade entre a generalis abolitio e a amnistia, preceito de esquecimento ambas, eliminação da criminalidade, indulgencia sem restricções: “Haec indulgentia perfecta est abolitio criminum et lex oblivionis et amnistia.” Fóra dessa expressão completa da clemencia publica, só se conhecia o indulto, a graça, sob suas formas individuaes: a purgatio, que, a requerimento do accusador, extinguia a accusação, e a deprecatio, que, a pedido do accusado, remittia a pena, deixando intacto o stygma da culpa”(BARBOSA, 1896, p. 47).
[4] A Lei de anistia de 1979 será discutida adiante sob o aspecto da apropriação/ressignificação do termo “conexo” referentes aos delitos anistiados em 1945.
[5] O Decreto Legislativo nº 18, de 15 de dezembro de 1961, concede anistia aos que “praticaram fatos definidos como crimes”, que menciona ao longo do decreto. Assim, anistia aos: a) que participaram, direta ou indiretamente, de fatos ocorridos no território nacional, desde 16 de julho de 1934, até a promulgação do Ato Adicional e que constituam crimes políticos definidos em lei, inclusive os definidos nos arts. 6º, 7º e 8º da Lei nº 1.079, de 10 de abril de 1950, observado o disposto nos artigos 13 e 74 da mesma lei, e mais os que constituam crimes definidos nos arts. 3º, 6º, 7º, 11, 13, 14, 17 e 18 da Lei nº 1.802, de 5 de janeiro de 1953; b) os trabalhadores que participaram de qualquer movimento de natureza grevista no período fixado no art. 1º; c) todos os servidores civis, militares e autárquicos que sofreram punições disciplinares ou incorreram em faltas ao serviço no mesmo período, sem prejuízo dos que foram assíduos; d) os convocados desertores, insubmissos e refratários; e) os estudantes que por força de movimentos grevistas ou por falta de freqüência no mesmo período estejam ameaçados de perder o ano, bem como os que sofreram penas disciplinares; f) os jornalistas e os demais incursos em delitos de imprensa e, bem assim, os responsáveis por infrações previstas no Código Eleitoral”.
[6] Nas palavras de Cony, “é preciso que a palavra cresça: invada os muros e as consciências. Desde 1º de abril que o governo tem diante de si um dilema incontornável: ou processa e condena regularmente os milhares de acusados em todo o país ou concede anistia. A primeira opção caiu por terra: os processos, em sua maioria, não foram feitos e os poucos que estão em curso pejaram-se de irregularidades e de deformações jurídicas e policiais. (…) Resta a segunda opinião: a anistia. Que o Congresso vote a anistia, baseado na falta de processos regulares, na falta de critérios e, principalmente (MARTINS, 2010, p???)
[7] Decreto presidencial nº 60.522, de 31 de Março de 1967.
[8] Skidmore destaca que “a imprensa teve um dia movimentado expondo as contradições da investigação oficial. Os jornais foram apenas informados (não foram permitidas perguntas) pelo coronel Job Lorena de Sant’Anna, que dirigiu o inquérito oficial. Partes vitais da explicação do coronel eram contraditadas pelo laudo da autópsia emitido separadamente pelas autoridades civis. Isto É, 8 e 22 de julho de 1981. O semanário humorístico Pasquim (9 de julho de 1981) satirizou as incoerências da história do coronel. O embaraço dos militares era resultado da abertura, ela mesma contraditória. Órgãos como o DOI-CODI ainda existiam, mas a censura fora suspensa e as autoridades civis haviam reconquistado seu status”. (SKIDMORE, 1988, p. 333).
[9] É citada a criação de entidades como a Associação Democrática e Nacionalista dos Militares (ADNAM); a Associação dos Militares Incompletamente Não Anistiados (AMINA); a Unidade Mobilização Nacional pela Anistia (UMNA); e o Movimento Democrático pela Anistia e Cidadania (MODAC).
[10] Marcelo Ridenti (2009) aborda, com ênfase na intelectualidade, que “talvez os anos 1960 tenham sido o momento da história republicana mais marcado pela convergência revolucionária entre política, cultura, vida pública e privada, sobretudo entre a intelectualidade. Então, a utopia que ganhava corações e mentes era a revolução – não a democracia ou a cidadania, como seria anos depois -, tanto que o próprio movimento de 1964 designou a si mesmo como revolução. As propostas de revolução política, e também econômica, cultural, pessoal, enfim, em todos os sentidos e com os significados mais variados, marcaram profundamente o debate político e estético. Rebeldia contra a ordem e revolução social por uma nova ordem mantinham diálogo tenso e criativo, interpretando-se em diferentes medidas na prática dos movimentos sociais, expressa também nas manifestações artísticas.” O autor baseia-se em Michel Löwy para fundamentar o que entende como intelectualidade, a saber, são “os produtores diretos da esfera ideológica, os criadores de produtos ideológico-culturais” (LÖWY apud RIDENTI, 2009, p. 164)
[11] Disponível em http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=190925. Acessado em abril de 2016.
[12] Thomas Skidmore aponta que “a nova Constituição consistia em longos blocos não revistos da Constituição de 1967, juntamente com alterações básicas (tornou-se conhecida como a Constituição de 1967 com a emenda de 17 de outubro de 1969). As alterações aumentavam o poder do Executivo como, por exemplo, a que fortalecia a Lei de Segurança Nacional, visando à ameaça guerrilheira, e a que aumentava o prazo máximo do estado de sítio. As assembleias legislativas eram outro alvo. O número de cadeiras na Câmara dos Deputados foi reduzido de 409 para 310, e o número total de assentos em todas as assembleias estaduais foi reduzido de 1.076 para 701. Especialmente importante era o método de alocar os deputados federais por estado. A nova base seria o número de eleitores registrados por estado e não, como anteriormente, o total da população por estado. A mudança destinava-se a favorecer os estados mais desenvolvidos, cujas taxas mais altas de alfabetização produziam índice mais elevado de eleitores registrados. O alcance da imunidade parlamentar era reduzido – não deveriam repetir-se casos como o de Márcio Moreira Alves. Finalmente, havia um novo dispositivo para impedir que os parlamentares da ARENA votassem contra o governo. A “fidelidade partidária” exigia agora que todos os legisladores (federais e estaduais) votassem com a liderança do partido, se esta considerasse uma votação de importância capital para o partido. Esta medida visava também impedir a repetição do voto independente, como aconteceu no caso Márcio Moreira Alves” (SKIDMORE, p. 148-149).
[13] Referência à Lei nº 4.738, de 14 de junho de 1965, que “estabelece novos casos de inelegibilidades, com fundamento no art. 2º da Emenda Constitucional número 14”.
[14] Para uma análise mais aprofundada sobre a autodenominada “militância cristã pela democracia” ver Ministério de Justiça, Comissão de Anistia (2016).
[15] Conforme explica Lucilia de Almeida Delgado e Mauro Passos (2009) “A censura e a onda repressiva do regime militar, particularmente durante a presidência do general Médici, silenciaram os focos de oposição. Neste período, a Igreja Católica foi importante núcleo da oposição. Os episódios que se seguiram ao AI-5 foram decisivos para uma atuação mais crítica da Igreja. Não se trata mais de abordar esse tema como um ideal a ser alcançado, de forma abstrata ou conceitual. Trata-se de avançar na conquista dos direitos humanos de forma concreta. É dentro desse contexto que a Comissão de justiça e Paz, instalada oficialmente em outubro de 1969, adotaria os mesmos princípios da encíclica Populorum progressio. Nesse mesmo ano, como resposta ao AI-5, a CNBB manifestava sua preocupação com a política econômica adotada e criticava qualquer sistema que colocasse o lucro acima da pessoa humana”. (DELGADO; PASSOS, 2009, p.117-118).
[16] Distintas concepções de democracia em disputa no período, ainda de acordo com Napolitano, podem ser assim identificadas: “para as associações profissionais identificadas com a tradição liberal, como a OAB e a Associação Brasileira de Imprensa (ABI), democracia era o “estado de direito”, marcado pelo império da lei, pelo equilíbrio dos poderes de Estado, pelas liberdades civis (reunião, manifestação e expressão) e pela igualdade jurídica entre os indivíduos. Para os movimentos sociais de esquerda, era isso e algo mais, configurando a chamada “democracia substantiva”, marcada pela efetiva participação popular nas decisões dos governos, pela construção de políticas de distribuição de renda e limites ao direito de propriedade. Para setores ainda mais à esquerda, de tradição marxista, era a realização da democracia popular de massas, de caráter delegativo e calcada mais em direitos sociais do que propriamente políticos” (NAPOLITANO, 2014, p. 248).
[1] Carla Simone Rodeghero explicita que “para melhor entender a aproximação realizada entre crimes conexos e reciprocidade é elucidativo voltar no tempo e acompanhar a presença desses dois elementos em anistias anteriores. A expressão “crimes conexos aos políticos” faz parte do texto de três anistias decretadas por Getúlio Vargas, em momentos de governo provisório (1930 e 1934) ou de ditadura (1945). A primeira abrangeu os participantes dos movimentos tenentistas e da própria Revolução de 1930, e incluía “todos os crimes políticos e militares, ou conexos com estes”. Em maio de 1934, o decreto de Vargas isentava de “toda responsabilidade os participantes do surto revolucionário verificado em São Paulo, em 9 de julho de 1932, e suas ramificações em outros estados”. A isenção dizia respeito a “qualquer outro crime político e [a]os que lhe forem conexos, praticados até esta data”. Em 1945, também por meio de decreto, foi “concedida anistia a todos quantos tenham cometido crimes políticos desde 16 de julho de 1934 até a data da publicação deste decreto-lei”. Além dos crimes políticos, eram abrangidos os crimes conexos, definidos como “crimes comuns praticados com fins políticos e que tenham sido julgados pelo Tribunal de Segurança Nacional”. Como se vê, em todas as ocorrências, os crimes conexos seriam outros crimes praticados no período e associados àqueles que eram alvo da anistia. (…) Tanto em 1945 quanto no período de 1975 a 1979, os diferentes atores envolvidos nas campanhas pró-anistia falavam em anistia ampla e geral ou em anistia ampla e irrestrita, louvavam os benefícios do esquecimento, defendiam que a medida iria pacificar a família brasileira e que seria o primeiro passo para a redemocratização. Vistos a distância, os slogans eram os mesmos. Acompanhando mais de perto os atores políticos e sua compreensão sobre a medida, percebem-se as diferenças. No fim da década de 1970, mesmo que permanecesse a equação “anistia = esquecimento”, entre a oposição já era majoritária a visão de que o Estado tinha cometido crimes, e que estes não eram passíveis de anistia; que a medida deveria ser acompanhada de esclarecimento e de punição; e que o esquecimento não era o melhor caminho para a construção da democracia.” (RODEGHERO, 2010, p. 106-107)